• 16Out

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    http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=267423

    Retrospectiva na Cinemateca Francesa.

    Há um filme português na retrospectiva de mais de seis dezenas de títulos com que a Cinemateca Francesa, em Paris, aborda o improvável tema da cabeleira e dos penteados femininos na história do cinema. O filme em causa, que já foi exibido ontem, é “A Comédia de Deus” (1995), de João César Monteiro, e terá sido escolhido pelo realizador Alain Bergala – o comissário da iniciativa – certamente por causa daquela cena bem conhecida em que o realizador-actorpersonagem João de Deus analisa à lupa um pêlo púbico da jovem Joaninha…

    Em que capítulo terá sido arrumada “A Comédia de Deus” entre os cinco que fazem o guião da exposição “Brune Blonde” – que foi inaugurada no passado dia 6 e vai até 16 de Janeiro? Talvez em “A caminho da abstracção”, já que os outros capítulos – “O mito”, “História e geografia da cabeleira”, “Os gestos da cabeleira” e “A cabeleira no centro da ficção” seguem parâmetros mais históricodescritivos.

    João César Monteiro (1939-2003) faria seu, certamente, este verso de Baudelaire – “Quand je mordille tes cheveaux élastiques et rebelles, il me semble que je mange des souvenirs” (”As Flores do Mal”), mesmo que a poesia da cena do seu filme deva mais ao fetichismo do que ao lirismo. Mas a grande exposição “Brune Blonde” encena tanto a poesia, a literatura e as artes plásticas – pintura, escultura, fotografia e instalação, do Renascimento até à contemporaneidade -, como o fetichismo e outros imaginários que a cor dos cabelos e o design dos penteados sempre foram transportando para a história dos filmes.

    Vejam-se, como exemplo, os sucessivos significados e modas que os penteados das “stars” de Hollywood foram criando, década a década, desde o tempo em que os cabelos curtos e pretos de Louise Brooks/Loulou eram a imagem da sensualidade e do desejo (e aqui poderíamos lembrar também a “nossa” Beatriz Costa) até que essa marca transitou para o loiro platinado de Jean Harlow ou para o loiro sobre-erotizado de Marilyn Monroe. Ou como o cinema francês da “Nouvelle Vague” estilhaçou também esse imaginário com o andrógino corte de cabelo de Jean Seberg em “O Acossado”, de Godard.

    Tudo isto pode ser visto numa selecção de filmes mais ou menos óbvios (o exemplo mais citado pelos jornais franceses a propósito de “Brune Blonde” é o inevitável “jogo” das cabeleiras de Kim Novak em “A Mulher que Viveu Duas Vezes”, de Hitchcock), mas também numa selecção de imagens e sequências inéditas ou raras respigadas de arquivos e das cinematecas de todo o mundo, dos Estados Unidos ao Japão, da ex- URSS à África francófona.

    E ainda, num pequeno cine-estúdio instalado no percurso da exposição, em seis curtas-metragens realizadas expressamente sobre o tema por Abbas Kiarostami, Isild Le Besco, Pablo Trapero, Yousry Nasrallah, Nobuhiro Suwa e Abderrahmane Sissako.

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