15h45 Liliana Navarra – O simbolismo ritual no cinema de João César Monteiro
Abstract: O tema dos rituais é considerado clássico na literatura antropológica. A conceptualização dos rituais nasceu e desenvolveu-se no âmbito religioso, desde o estudo nas escolas antropológicas francesas e inglesas, o rito e o mito sempre foram estreitamente dependentes do estudo das religiões. A multiplicação das áreas de estudo e a abertura da etnologia às sociedades modernas, orientaram o rito aos aspectos mais profanos e por vezes menos colectivos.
Neste contexto podemos analisar a cinematografia monteriana, uma cinematografia intrisa de conotações simbólico-rituais. Elemento recorrente e de constante actualidade, o corpo feminino é um catalisador em contacto simbólico com a realidade, resultando num núcleo imprescindível dentro do espectro temático da trilogia monteiriana, onde a figuração cinematográfica do feminino surge como metáfora. Os filmes dele são lugares que se prestam a ilustrar a especificidade da sexualidade feminina elevada à sacralidade.
O que se pretendem apresentar são dois exemplos de simbolismo ritual na trilogia de Deus, nomeadamente, Recordações da Casa Amarela e a veneração do corpo feminino e A Comedia de Deus e a mulher Deusa. No primeiro filme, João de Deus quase idolatra a mulher desejada, espia-a, como um rito purificativo pagão bebe a água do duche dela e em êxtase idolatra o pêlo púbico da sua rainha-sacerdotisa, encontrado naquelas águas. Várias são as referências aos pêlos púbicos que Monteiro faz nos seus filmes: os “fios de Ariane”, guardados no seu Livro dos Pensamentos.
O segundo filme reflecte um momento peculiar da trajectória de representações do corpo no cinema de Monteiro. É um filme onde o erotismo chega a sua máxima expressão, é a historia de um homem que vê na mulher e na sua beleza juvenil a marca de Deus. Com gestos cuidadosamente calculados, a atmosfera assume traços sacrais, com um Monteiro/sacerdote que oficia o ritual purificante.
16h00 Nélson Araújo- A Ressurreição de Jaime: o anúncio de uma nova metamorfose em João de Deus
Abstract: João César Monteiro figura impar da cultura portuguesa, construiu um percurso artístico baseado na insubmissão aos modelos dominantes demonstrando uma coerência estética reveladora de uma ideia de cinema bem definida. A recusa em alinhar com qualquer corrente, desdenhando todas as influências, deslocaram a sua zona de intervenção para uma superfície marginal ao convencionado. A afirmação deste território de diferenciação passa em grande parte pelo jogo entre a razão e a irracionalidade, entre a normalidade e a loucura, entre o lógico e o absurdo. A sua forma de conceber o mundo e de se exprimir fizeram da sua vida um acto de criação permanente e a sua obra um prolongamento dos seus múltiplos eus. A personagem João de Deus surge como um heterónimo seu no filme Recordações da Casa Amarela (1989), iniciando com esta obra uma saga de autor-actor. Por ser o seu ponto de partida para a sua obra futura aquele filme assume particular importância na questão de trabalho que proponho: Existe um grau de parentesco entre Jaime e João de Deus? Como é sabido João César Monteiro tinha uma enorme admiração pelo filme Jaime (1974) de António Reis. Esta obra é uma viagem pelo mundo interior e exterior de Jaime, doente mental enclausurado durante 31 anos. Jaime e João de Deus foram segredados pela ordem vigente para o mesmo hospício e por motivos semelhantes: não estarem na plena posse das suas faculdades mentais. É precisamente a partir deste equívoco que João César Monteiro dispara em todas as direcções, assumindo a arte como um processo de afirmação do sujeito e um sinal de celebração da vida, recusando liminarmente a participação no modelo da racionalidade mesmo que o preço seja o de, ingloriamente, ser classificado de louco. È pois na intercepção da riqueza artística da obra de Jaime Fernandes e na elevação espiritual de João de Deus no filme Recordações da Casa Amarela que proponho laços de irmandade entre as duas figuras, não esquecendo o contexto opressivo a que foram votados. Distanciando-me duma apologia da loucura como fonte de talento, procuro encontrar em João de Deus um prolongamento de Jaime, sinalizando em Lívio a possibilidade de o ser humano recriar a vida e que esta premissa não deve fazer concessões a conceitos de normalidade.
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