• 24Out

    Pedro Proença

    de Pedro Proença

  • 21Out
    Categorias: Eventos Comentários: 0

    http://www.cinemaportugues.ubi.pt/conteudos/jornadas-2010.php#item3

    Joao Cesar Monteiro 1

    Quarta [27]

    11h00-12h30 Paula Soares – A retórica do tempo: cinema de João César Monteiro [resumo]

    Paula Soares – Univ. Nova de Lisboa (instituição de acolhimento do doutoramento); Univ. Coimbra – Faculdade de Letras e Colégio das Artes (instituição de acolhimento do pós-doutoramento)

    A retórica do tempo: cinema de João César Monteiro

    Abstract: Ao estudar a obra fílmica do cineasta português João César Monteiro e ao verificar a extensão do tempo nos planos dos seus filmes, fui de encontro à ideia de uma retórica do tempo. Um tempo “suspenso”, conceito estabelecido pelo pensador José Gil, no seu livro Salazar: A Retórica da Invisibilidade.

    Uma retórica marcada pela reiteração e pela prorrogação fantasista.

    Reiterar, para manter; prorrogar para adiar a acção e alimentar a encenação.

    A política do Estado Novo, solitária e absolutista, promoveu uma retórica singular, onde o tempo se encasula, ganha força e tensão, imobilidade. Cristalização do movimento que parece passar para o cinema, brotando pela palavra e pela silhueta gestual. O corpo pressente-se na contenção dos movimentos, a acção e o pensamento reprimem-se; contudo o desejo da liberdade eterniza-se numa imagem que se prolonga. Expressão de uma ideia que não sabe, que não pode descontrair-se, mas que pode alimentar um tempo de espera, que está na origem das imagens que não são estáticas, mas sim compostas; composição de ideias num movimento inexorável do tempo.

    O tempo transporta-se para o futuro, excluindo-se do presente que se suspende.

    A realidade manifesta-se na fantasia de um futuro.

    O espaço perde contacto com o real.

    Da experiência da retórica salazarista, fica algum do cinema português influenciado culturalmente pela noção de tempo “suspenso” (em particular o de João César Monteiro, objecto de estudo) que se expressa em planos longos, constituídos por um espaço “bididimensionalizado”, pouco profundo, e uma duração temporal “estendida”. O cinema despossui-se da volumetria ao planificar-se pela subtracção da acção, adquirindo um efeito de tempo circular que mantém a imagem cinematográfica em suspensão e tensão.

  • 16Out

    340501

    http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=267423

    Retrospectiva na Cinemateca Francesa.

    Há um filme português na retrospectiva de mais de seis dezenas de títulos com que a Cinemateca Francesa, em Paris, aborda o improvável tema da cabeleira e dos penteados femininos na história do cinema. O filme em causa, que já foi exibido ontem, é “A Comédia de Deus” (1995), de João César Monteiro, e terá sido escolhido pelo realizador Alain Bergala – o comissário da iniciativa – certamente por causa daquela cena bem conhecida em que o realizador-actorpersonagem João de Deus analisa à lupa um pêlo púbico da jovem Joaninha…

    Em que capítulo terá sido arrumada “A Comédia de Deus” entre os cinco que fazem o guião da exposição “Brune Blonde” – que foi inaugurada no passado dia 6 e vai até 16 de Janeiro? Talvez em “A caminho da abstracção”, já que os outros capítulos – “O mito”, “História e geografia da cabeleira”, “Os gestos da cabeleira” e “A cabeleira no centro da ficção” seguem parâmetros mais históricodescritivos.

    João César Monteiro (1939-2003) faria seu, certamente, este verso de Baudelaire – “Quand je mordille tes cheveaux élastiques et rebelles, il me semble que je mange des souvenirs” (”As Flores do Mal”), mesmo que a poesia da cena do seu filme deva mais ao fetichismo do que ao lirismo. Mas a grande exposição “Brune Blonde” encena tanto a poesia, a literatura e as artes plásticas – pintura, escultura, fotografia e instalação, do Renascimento até à contemporaneidade -, como o fetichismo e outros imaginários que a cor dos cabelos e o design dos penteados sempre foram transportando para a história dos filmes.

    Vejam-se, como exemplo, os sucessivos significados e modas que os penteados das “stars” de Hollywood foram criando, década a década, desde o tempo em que os cabelos curtos e pretos de Louise Brooks/Loulou eram a imagem da sensualidade e do desejo (e aqui poderíamos lembrar também a “nossa” Beatriz Costa) até que essa marca transitou para o loiro platinado de Jean Harlow ou para o loiro sobre-erotizado de Marilyn Monroe. Ou como o cinema francês da “Nouvelle Vague” estilhaçou também esse imaginário com o andrógino corte de cabelo de Jean Seberg em “O Acossado”, de Godard.

    Tudo isto pode ser visto numa selecção de filmes mais ou menos óbvios (o exemplo mais citado pelos jornais franceses a propósito de “Brune Blonde” é o inevitável “jogo” das cabeleiras de Kim Novak em “A Mulher que Viveu Duas Vezes”, de Hitchcock), mas também numa selecção de imagens e sequências inéditas ou raras respigadas de arquivos e das cinematecas de todo o mundo, dos Estados Unidos ao Japão, da ex- URSS à África francófona.

    E ainda, num pequeno cine-estúdio instalado no percurso da exposição, em seis curtas-metragens realizadas expressamente sobre o tema por Abbas Kiarostami, Isild Le Besco, Pablo Trapero, Yousry Nasrallah, Nobuhiro Suwa e Abderrahmane Sissako.

  • 14Out

    100524_r19646_p233

    “Hovering Over the Water” – João César Monteiro

    ILLUSTRATION: DIVYA SRINIVASAN

    http://www.newyorker.com/arts/critics/notebook/2010/05/24/100524gonb_GOAT_notebook_lane

  • 14Out

    “João César Monteiro odeia espectadores. Em compensação, exige cúmplices.” E é aqui que bate o ponto. Final.

    Naquele seu dele estilo castigado por ser estilo e não língua “de madeira” (salvé, Mário Dionísio!), escreveu Luiz Pacheco na revista “Blitz” de há uns catorze anos uma artigalhada sobre “o senhor Joãozinho das comédias”.

    Na altura, ao começar a ler a coisa esperei o pior, dado que outra coisa não era de esperar: Luizinho e Joãozinho – reparem nos diminutivos carinhosos – não morriam de amores um pelo outro, rosnavam-se, quiçá devido à mútua, feroz concorrência nas andanças da má vida como nos embates da má-língua – ora agora ferras tu, ora agora ferro eu, ora agora ferras tu mais eu. Uma ternura.

    Vamos porém ao que importa, se é que importa: na referida artigalhada começa o Pacheco por nos contar ter ido ao Jumbo de Setúbal ver “A Comédia de Deus”. Divertiu-se “a valer” pelas “horinhas de distracção e riso”, sendo que, ao intervalo, repara que além dele só estavam na sala duas senhoras. Mau Maria, vem aí bordoada.

    Linhas abaixo, confirmação: “Tá boa! É a segunda vez que me acontece. Sabem? Aqui há anos fui ao Fórum Picoas ver um filme deste gajo… uma merda! ‘Recordações da Casa Amarela’…”

    Outra sala vazia, ou, melhor para pior, na sala o Luizinho e, à porta, a arrumadora a quem o pagante não se conteve de dizer: “minha querida senhora, uma sessão privada, especial, só para mim, e por 300 paus, é baratíssimo, é de borla.”

    Mas “não nos precipitemos”, cito e corroboro. É que, contra aquilo que de passo se poderia prever, sai-se o Pacheco com esta, que valeu na altura e mais vale agora, nestes tempos de estrondosos sucessos de público que feitas contas não dão para Gambrinus de produtores e demais pessoal: “Duas salas de cadeiras sem ninguém sentado, quererá dizer alguma coisa transcendente? esquisita? algo que nos indique a medida do valor do filme, da capacidade gustativa da inexistente assistência? Nem pouco nem muito, pensando bem.”

    Bem pensado, penso eu. E embora ele confesse “nada perceber de cinema” (como eu não percebo e já agora também o Joãozinho, esse mesmo, que tal o confessou algures para se demarcar dos inteligentes de serviço), dá-se a explicar: “Mas João César Monteiro aplica-se a fazer filmes, em português. Lisboetas, principalmente. Lida com coisas e gente nossa, anda pelas ruas de Lisboa. Fala, pois, comigo. Dá-me notícias de mim. Não quero saber para nada quem pagou, quem vai ver ou não vê, o que dizem os jornais. As doutas sentenças dos jurados em Veneza, Cannes, o raio. Prémios assim ou assado, em cacau, taças, globos ou apenas farófias de compensação, consolação, marquetingue. Há por esse lado, mistérios.”

    Disse ele. Para mim, nem por isso. Veneza, Cannes, Berlim, o raio, sempre estão um pouco mais longe (horizontes mais vastos) que Badajoz, que é aonde poderão chegar, se lá chegarem, os estrondosos sucessos de público a que o estardalhaço mediático nos vai habituando, martelando. Isto porque os ditos, cavalgando a onda do que “está a dar” (nas telenovelas e nos seriados; na jornalada e nas revistas pimbas que vocês conhecem) macaqueiam, em pindérico fosforescente por “bela fotografia”, actores agindo “como na vida real”, tão “naturais”, e outras similares banalidades “técnicas”, aquilo que o mais corriqueiro cinema comercial americano (que é também, no género, o melhor do mundo) faz com uma perna às costas e com isso ganha uma pipa de massa, boa pança lhe faça – até rima.

    Acrescente-se: tal cinema passa por Hong Kong e Sidney, Ilha Maurícia e Belém do Pará, vê-se em Badajoz e entra por aqui dentro como tsunami, tudo inundando como típico exemplo do imperialismo ianque e da concomitante lavagem às monas que nada têm para lavar – aqui sob o signo da diversão, da escapadela às tristezas desta vida, ai.

    Talvez porque nada perceba de cinema e continue a gostar de dar pulos na cadeira frente à pantalha, como eu puto no Paris ou no Cinearte a beber fitas de cowboys e de batatada, frequento sempre que posso alguma dessa fitalhada avassaladora, descansem, estou vacinado. Isto não quer dizer que ao contemplar as estrelas que os entendidos conferem a outras cinematografias mais exigentes, logo, “indispensáveis” (à cabeça, a francesa, oui) não vá lá espreitar, a ver se não morro tão burro como vim ao mundo. E – ai, meus senhores! – não raro saio para a rua com uma grande cachola e a dar o meu pobre dinheirito e o meu rico tempo por muito mal empregados, duas horas que parecem vinte a gramar patetices empoladas que não ouso recomendar ao meu pior inimigo, seja ele ou tivesse sido a prestações o Pacheco que já lá vai, cantando e rindo. Culpa minha: com esta provecta idade e com este passado pouco recomendável (sim, também eu já fui assim a modos de “crítico de cinema”, estava disponível e lia os “Cahiers” e a “Positif”, esta mais política e a meu gosto ou panca surrealista), quem é que me manda a mim continuar a contemplar o céu estrelado dos conhecedores?

    Separação de águas (nada de equívocos a somar aos do pão nosso de cada dia): apesar da linguagem plebeia, tão nos antípodas daquelas esplendorosas de D. Francisco Manuel de Melo e de Vasco Graça Moura, sou dos que não confundo fitas e filmes, como, nestes, não confundo emanações de espíritos letrados a ponto de meia-dúzia de citações por centímetro de película com a originalidade – essa que entra literalmente pelos olhos dentro – dos criadores, com suas idiossincrasias, fobias, manias, seus ódios de estimação, suas paixões de cair à cova, suas incandescências, seus fulgores, e também seus estampanços, seus vôos sem rede, suas merdas que até essas se não devem confundir com as merdas alheias, têm copiraite exclusivo.

    De aí, e logo na madrugada de nosso senhor Monteiro em “cineasta”, ter eu vestido a camisola do Águia, passe a metáfora predadora. O mau-feitio (isto é: o ter feitio) do artista quando sempre jovem cão danado quadrava-se com certas coisas que eu terei pudor de contar seja a quem for, obrigado José Régio. No entanto, levante-se um pouco o véu: coisas assim tecidas de raiva e asco por manifesta impossibilidade de arrojos mais puxavantes.

    Retomando o cherne pachecal (que me está a dar o jeitão por vós já apercebido), a alturas tantas da surpreendente croniqueta lê-se isto: “Ora: João César Monteiro não tem nada de parvo. Reconheço e desde há muitos anos [mentiroso! - V.S.T.] que ele é um tipo muito inteligente, arguto, ambicioso. Não lhe faço nisto favor nenhum. Portanto e digamos: nada do que ele faça ou escreva ou diga (e tem uma linguiça de Oiro!) é inocente ou é palerma ou descuidado. É, sempre e muito, calculado, premeditado, ÚNICO. Não adianta a hábil confusão que é misturarem aqui os termos ‘genial’ e ‘louco’, como me calhou ler por aí.”

    Tirando o “calculado” e o “premeditado”, que também constam, a par de um automatismo gerador dos efeitos-de-surpresa tão do agrado de surrealistas e demais desinstalados das artes contemporâneas, susbcrevo conforme e reponho em circulação, se chegaram até aqui.

    Mas o melhor está para vir. Com particular acuidade (ou não tivesse um faro de perdigueiro apenas obliterado, quanto a mim, quando cheirou as “Recordações da Casa Amarela” julgando que estava a cheirar o cu de um magala), acerta o Luiz na mosca ao afirmar: “o César Monteiro não faz (mesmo que assim as intitule) comédias. Farsas farsalhonas e idiotas, como “O Pai Tirano”, ou quejandos. Ele não ia perder tempo com isso.”

    De facto: tinha mais que fazer, e de mais sustância. Por exemplo: chicotear, à Sade lisboeta, a tacanhez moral e mental que é o ovo da serpente fascistóide; arremessar às ventas de uma sociedade ora pedinchona ora arrogante o seu dela retrato asqueroso, toma lá a ver se gostas.

    Quase ao fecho da crónica da “Blitz” de 1996, Luiz Pacheco, em dúvida, lança duas interrogações pertinentes: “será, porém, que ele guarda no íntimo um enorme desdém, rancor, nojo, por todos nós, seus compatriotas de nascimento e contemporâneos de desgraça? Ele faz (mera hipótese) filmes como quem nos cospe?”

    Bingo, Luizinho! Se ainda por aqui palmilhasses a chatear meio mundo com o teu obnóxio talento, eu pedia-te, venerador e obrigado, que retirasses os pontos de interrogação. Com uma ressalva: o nojo do teu estimado (risos) César Monteiro não era extensível a “todos nós”. Sobre esta questão tive eu há pouco o ensejo de opinar preto no branco: “João César Monteiro odeia espectadores. Em compensação, exige cúmplices.”

    E é aqui que bate o ponto. Final.

    .

    [Vítor Silva Tavares, Ípsilon (suplemento do Público), 10/03/2010]

    http://ipsilon.publico.pt/artes/texto.aspx?id=252379